Andes Mountain Marathon 2024: Um brasileiro em direção ao Cerro El Plomo

30 de novembro de 2024, a data mais esperada do ano: finalmente, eu largaria na Andes Mountain Marathon rumo ao Cerro El Plomo, 5424m de altitude, em uma prova de 42 km com 3600 m de desnível positivo, organizada pela Latitud Sur Expedition. A preparação começou em maio deste ano e, de lá até aqui, foram mais de 1200 km rodados, vários “Everests” de desnível acumulado, acompanhamento nutricional e médico, e muita dedicação.

Após termos nosso voo reagendado de quinta para quarta, chegamos a Santiago por volta das 23h40 e, após todos os trâmites e logística, fomos repousar às 2h30 de quinta-feira. Poucas horas depois, a van passaria para nos levar ao Embalse del Yeso, um passeio que nunca havíamos feito, pois, em outras ocasiões, sempre estava fechado devido à neve. Às 5h40, embarcamos na van e seguimos em direção ao Cajón del Maipo. Valeu muito a pena! No final do passeio, para cumprir a minha planilha, aproveitei para dar uma troteada naquele lugar cênico. Porém, quase finalizando com 5 km rodados, acabei sofrendo um entorse. Doeu muito na hora e continuou dolorido até o final do dia. Aí já bateu aquela bad: e se eu não recuperasse a tempo para a prova e tivesse que desistir antes mesmo de largar?

Sem gelo ou medicamentos disponíveis, a única solução foi deixar o pé torcido na água gelada do chuveiro. Depois do passeio, seguimos até o Costanera para retirar o kit na loja da Merell Chile. Não acharam o meu numeral e pediram para eu retirá-lo no dia da prova. Já o kit era composto por uma bolsa, um par de meias, uma camiseta e uma bandana, tudo da marca. Perfeito! Ainda tinha um voucher de 30% de desconto para compras na loja. Roupas e tênis no Chile já têm preços mais baixos que no Brasil.

Além disso, tivemos que comprar um microspike, algo semelhante a um crampon menor e mais leve, que se tornou item obrigatório de última hora. Foi difícil encontrar, mas, após pesquisar em várias lojas chilenas, achei uma onde restava apenas um único par no meu tamanho.

Na sexta-feira, meu pé amanheceu melhor, mas ainda dolorido. Voltamos ao Costanera, onde vi um vídeo do Murilo falando que os bastões eram essenciais. Eu não os havia levado para não precisar despachar bagagem, mas decidi garantir. Paguei 20 mil pesos por um par do modelo Forclaz MT100, menos de R$ 100, bem simples.

Alugamos um carro e partimos rumo a Farellones, onde fomos recebidos pelo amigo Murilo, que também encararia os 42 km do El Plomo.

Registro aqui o meu agradecimento ao Murilo que muito gentilmente nos deu asilo em sua hospedagem, o que foi uma baita ajuda. Nosso plano original era sair de Santiago rumo à largada da prova de madrugada, em um trajeto de cerca de 1h30 por uma estrada super sinuosa, famosa por suas 40 curvas em cotovelo, teria sido muito cansativo.

Chegamos no final da tarde, fizemos um breve tour por La Parva, jantamos e, para tentar aliviar meu pé, fiz mais um “gelo de chuveiro”, dessa vez com água gelada da montanha. Em seguida, arrumamos nossos equipamentos e nos preparamos para dormir.

Demorei muito para pegar no sono. Não parecia estar ansioso, mas, olhando agora, provavelmente estava. Às 3h50, despertamos, fizemos os ajustes finais e o Murilo fez uma bandagem no meu pé para dar mais estabilidade (funcionou muito bem!). Em seguida, partimos para a largada.

Chegamos à largada por volta das 4h40, com 6°C e uma sensação térmica ainda mais baixa. Comecei a tremer de frio, a Fran ficou preocupada. Não gosto de largar cheio de roupa porque sei que logo me aqueço e acabo tendo que tirar tudo. Optei por uma calça e uma primeira camada de trail, própria para temperaturas entre 0°C e 10°C, além da anorak, luvas impermeáveis, touca e uma bandana no pescoço. Na mochila, ainda levava um fleece e uma sobrecalça impermeável que o Alex me emprestou.

Eu e o Murilo alguns minutos antes da largada.

A largada aconteceu no estacionamento do Centro de Ski de La Parva, a 2740 metros de altitude, houve um atraso de 15 minutos para largamos, eu com luva não conseguia acionar o start do relógio, a Fran acionou pra mim 5 minutos antes. Estava congelando, mas, para minha sorte, bastaram três minutos de prova para eu já estar aquecido.

Dali em diante, não tive mais como saber a temperatura, mas passei por lugares onde era visivelmente mais gelado, principalmente próximos às áreas com gelo. Para completar, as ventanias eram absurdas, em alguns momentos, tamanha a intensidade, quase me jogaram no chão.

Trilha que passamos rumo ao El Plomo, vista do Cerro Pintor.
Trilha que passamos rumo ao cume mais alto, vista do Cerro Pintor. Foto: Latitude Sur Expedition

A largada foi vertical, com mais de 1100m de ganho de elevação nos primeiros 6 quilômetros. Meu objetivo nessa prova não era ser competitivo, mas completá-la bem e com segurança. A minha estratégia foi manter a constância em um trekking rápido, e funcionou por um bom tempo. Não fiz um esforço tremendo; tanto que meu BPM médio ficou em apenas 100.

Passamos próximos ao Cerro Falsa La Parva, a 3740m, depois pelo Cerro La Parva, a 4047m, e pelo Cerro Pintor, a 4180m, que era o ponto mais alto para quem corria os 21K. Seguimos por cristas com vistas espetaculares das montanhas em ambos os lados. Descemos trilhas estreitas, com paredões íngremes assustadoramente próximos, até chegar ao Refugio Federación, a 4160m.

O refúgio era um ponto crucial: apoio, checagem de equipamentos e o primeiro corte, estipulado para 4h30. Eu cheguei com 3h46, com folga, mas foi ali que rolou uma situação inesperada. Durante a checagem, pediram uma jaqueta com pluma, item que nem eu nem o Murilo tínhamos, sinceramente, nem havíamos entendido como obrigatório na lista.

Formação de gelo com o Cerro El Plomo ao fundo.
Formação de gelo com o Cerro El Plomo ao fundo.

Para facilitar a comunicação, um dos organizadores começou a falar comigo em inglês: “You need to promise me, if you feel bad at the summit, you will get down immediately. You can die in 15 minutes at -25°.” Foi bem marcante a fala dele, prometi. Organizei meu material e, após 20 minutos, finalmente iniciei a subida rumo al cumbre.

E que subida, meus amigos! Inclinações de 48°, naquele terreno cheio de pedras e cascalho que desabam montanha abaixo o tempo todo, o chamado acarreio. A cada três passos dados, eu voltava um. Só conseguia pensar em como seria a volta. De repente, vejo o primeiro colocado chileno descendo aquele terreno como eu corro no plano. Foi chocante. E as mulheres, a mesma coisa, deslizando montanha abaixo com uma técnica impressionante.

Durante essa subida, comecei a sentir que não estava muito bem. Até então, não tinha sentido nenhum efeito da altitude. Antes da prova, isso era um motivo de ansiedade, mas, assim que comecei a correr, nem lembrei mais do assunto. Porém, ao atingir 4600m, comecei a sentir as pernas bambas, uma sensação estranha, como se estivesse bêbado, mas só quando estava parado. Fazendo esforço, não sentia nada. Achei estranho, pois não parecia com nada do que já tinha lido sobre o mal de altitude.

Com o relógio marcando 4920m, decidi parar. Sentei, comi algo e me hidratei. Quando reiniciei a minha subida, um chileno passou gritando que o segundo corte já estava barrando os atletas. Pensando bem, só agora percebo que eu estava muito lento nessa subida, tive a percepção de tempo alterada, parece que a subida teve no máximo 1 hora, quando na realidade se passaram 3 horas.  Fiquei triste por não alcançar o cume do El Plomo, aí pensei: Vou subir até os 5 mil para registrar essa marca. Subi mais 40 metros, chegando a 4970m com dificuldade. No dia seguinte, analisando o meu percurso, vi pelo mapa as curvas de nível, que eu atingi quase 5080m de altitude!

Altitude alcançada: 5070 metros

Nesse ponto, vi pessoas descendo e acabei pegando “carona” com elas. E foi na descida que percebi o quanto estava mal. Minhas pernas não tinham força. Sou bastante conservador em descidas e dificilmente caio, mas, em um trecho de 300 metros, fui ao chão umas 20 vezes. Ralei bastante a mão, mas não senti nada na hora.

O grupo que eu acompanhava percebeu que eu não estava bem e sugeriu que eu descansasse um pouco. Fiquei parado ali, a cerca de 4650m, observando enquanto eles desciam e conversavam com um staff que, na subida, achei que fosse o ponto de corte, ali era o Refugio D´Agostini 4572m. Após um tempo, continuei a descida e acabei alcançando o grupo novamente. Fui tentando entender o que falavam e, vez ou outra, tinha alguma interação com eles.

Vista para o Refugio Agostini (4572m) eu a 4700m

Quando desci abaixo dos 4000m, após o Refugio Federación, onde aproveitei para reabastecer, o mal-estar passou por completo. A energia voltou 100%! No entanto, como não alcancei o cume, não seria finisher de uma prova pela primeira vez. Decidi seguir no ritmo do grupo, que mais caminhava do que corria. Mais tarde, a Fran comentou que eu deveria ter corrido para não deixá-la esperando tanto tempo lá na base, a prova na montanha estava impecável, porém na base não tinha nem banheiro químico.

Num certo momento, deixei o grupo ir na frente para fazer xixi, mas depois corri para alcançá-los. Logo pararam novamente, e eu segui correndo até encontrar a Priscila, que estava num ritmo mais consistente e também os deixou para traz. O retorno me parecia muito com a imagem mental que tenho do trekking no Everest: uma bela trilha em altitude, com rios, lagoas e altas montanhas dos dois lados. A Priscila comentou que, devido às condições no cume, a organização diminuiu o corte em 30 minutos. Mesmo assim, no estado em que eu estava, não seria possível eu chegar. Um fato interessante, que já experimentei em montanhas brasileiras como o Araçatuba, Perdidos e Camapuã, é pisar em rocha congelada. É, sem dúvida, a superfície mais escorregadia que já pisei na vida! Durante as travessias de rios, era necessário estar muito atento, pois grande parte das margens ficava congelada, aumentando o risco de escorregar.

Vista do Vale Nevado
Vista do Vale Nevado

Para a próxima, e sim, haverá uma próxima! Preciso pensar em estratégias para mitigar essa variável. Um dos protocolos que usei foi o Power Breathing HR, para fortalecer a musculatura pulmonar e melhorar a absorção de oxigênio. Creio que foi bem-sucedido, já que só senti os sintomas em altitudes mais elevadas. A maioria das pessoas começa a sentir efeitos a partir dos 3000m, me mantive bem até os 4600m. Com quase 30 dias de uso, alcancei o nível 4 (de uma escala de 0 a 10). Tenho tempo para evoluir.

Cascata formada pelo derretimento de gelo.
Cascata formada pelo derretimento de gelo.

No retorno, avistei de longe as torres dos teleféricos das estações de esqui da região. Fiquei animado, pois sabia que estava próximo do final. Junto a elas, havia um grande morro com pessoas que pareciam formiguinhas à distância. Quando cheguei à parte mais alta, avistei os prédios de La Parva. Começamos a descer mais forte, mas o sinal de celular  da Priscila retornou e ela foi andando e mandando mensagens. Segui sozinho. Mesmo após mais de 13 horas de prova, consegui fazer paces abaixo de 4:30 nas descidas finais, sem dores e sem torcer o pé. Estava me sentindo muito bem!

Descendo o Vale Nevado com o Cerro El Plomo ao fundo

Ao entrar na base da prova, não pretendia passar pelo pórtico, mas um staff me chamou. Acabei passando, e me deram uma medalha de finisher. Expliquei que não tinha feito o cume, não queria aceitar, mas a moça insistiu. 2 minutos depois, a Fran chegou. O Murilo, que havia terminado antes, foi levado de volta à hospedagem por ela.

Parabéns Murilo! Foi muito bom compartilhar esses momentos e essa experiência contigo. Essa prova já ficou marcada nas nossas histórias. Obrigado por todo apoio!

E foi essa a minha experiência de corrida na Cordilheira dos Andes: 36 km percorridos em aproximadamente 13h32min, atingindo a altitude de 5060 metros, com um desnível positivo variando entre 3141m (no Strava) e 3421m (nos apps Zeep e Earth). De 98 participantes, apenas 38 concluíram a prova.

Largada e chegada

Terminei me sentindo incrivelmente bem, energizado! Assim que eu puder, vou editar os vídeos e postar o relato no YouTube.

Algumas dicas para quem pretende fazer provas nessa região do Chile: o clima é muito diferente do que estamos acostumados no Brasil. É extremamente seco, e a incidência de raios UV é alta. O frio, surpreendentemente, não foi o principal fator de dificuldade. Estava bem agasalhado e, desde que não ficasse parado, a temperatura era até confortável.

Use protetor solar! Antes da corrida, passei protetor no rosto, mas não foi suficiente: meu nariz queimou e ficou bem sensível. Não tive o mesmo problema no corpo, pois estava completamente coberto e usava um óculos de sol que protegia uma boa parte do rosto.

É curioso como, devido à falta de umidade, você acaba não suando muito. Tanto eu quanto minhas roupas não ficamos com mau cheiro — nem mesmo o tênis, que molhei em algumas travessias de rios. Essa característica do clima torna a experiência bem diferente das provas no Brasil, mas exige atenção redobrada à hidratação e à proteção contra o sol.

Não posso esquecer do apoio que tantas pessoas me deram para que eu pudesse viver essa experiência: Carlos Eduardo (Carbono Assessoria), pelos preciosos treinos (e ainda aguentando eu encaixando provas bem próximas dessa, kkk), mas no fim, sobrou perna! A minha nutricionista Poli, que mudou a minha corrida, agora não me falta energia e não tenho cãibras, que diferença isso faz! Débora e Alex, pelas liberações e recoverys, Link Monitoramento, pelo apoio essencial, que essa seja a primeira de muitas e vamos levar esse nome pro mundo trail! Valeu Hugo! E, é claro, o meu amor Fran, que sempre me incentiva e apoia. Todo final de semana, você se priva da minha presença para que eu possa fazer meus longos, e ainda me acompanha e prestigia nessas viagens, cuida da logística, acorda de madrugada, me espera no sol e na chuva… Você é demais! Amo você!

Manter a minha integridade física sempre foi prioridade, por isso procurei usar bons equipamentos, mesmo que tenha sido uma salada mista de marcas, rs. Foram os seguintes itens: calça Evadict Trail W30 L33, camiseta com manga Warm Light KipRun, fleece Forclaz MH100, jaqueta Anorak Columbia EvaPOURation, sobrecalça impermeável Quechua NH100, óculos de sol Gog Makalu Cat4, luva Naturehike Windproof Touch Screen Insulation GL05, touca Columbia, bandana Merrell e The North Face com proteção UV, bastões Quechua MT100 (foram super bem!), relógio Amazfit T-Rex Pro 2, meia Quechua Hike 900 de Lã de Merino, Microgrampon Explorer Grivel, tênis Asics Trabuco 12 e, um item de última hora, colete de 15 litros da Evadict com reservatório de 2 litros, porque na Aonijie Ounergy Cordura 10 litros não ia caber tudo. Por fim, adorei a mochila, coube tudo, foi bem confortável.

Toda longa prova ou treino é para mim um momento de solitude, meditação e oração, e essa foi muito especial. Me emocionei em diversos momentos. Apesar de não ter alcançado o cume, considero essa prova uma grande realização por tudo o que foi feito para eu poder estar ali, em um lugar tão mágico, rodeado pela natureza, por montanhas tão altas. A montanha nos ensina a respeitar nossos limites e, ao mesmo tempo, nos inspira a superá-los. Apesar de não alcançar o cume, voltei para casa com a certeza de que fiz o meu melhor, com histórias para contar e muitas lições aprendidas.

Dedico essa conquista em honra e memória ao meu sobrinho Cauê. Uma criança iluminada que teve uma breve passagem pelo nosso mundo, mas nos ensinou muito e iluminou o caminho de tantos. Sua partida deixou um vazio imenso, mas também uma lição de força, amor e a importância de viver plenamente. Durante essa jornada, mesmo nas dificuldades e momentos de incerteza, a lembrança dele me deu coragem e motivação para continuar. Cauê, você sempre estará presente nos meus passos, e essa conquista é para você.

Estou determinado a retornar, mais preparado e mais experiente, para finalmente conquistar o El Plomo. Até lá, sigo em frente, agradecendo a todos que fizeram parte dessa jornada, direta ou indiretamente.

Agora, com a mente cheia de lembranças incríveis e o coração renovado, volto ao treino, à rotina e aos sonhos. Afinal, a aventura nunca acaba!

Chile, até breve!

TRN Trail Rank: 9,25 (saiba o que é isso)

Cerro El Plomo visto do Aeroporto de Santiago.

 

Resultados da corrida: https://www.resultados.cronosur.cl/eventos/335

Site da organização: https://www.latitudsurexpedition.cl/

Galerias de fotos do evento:

1: https://www.facebook.com/media/set/?set=a.1143935231066645&type=3

2: https://www.facebook.com/media/set/?set=a.1144633214330180&type=3

Fotos La Voz del Trail: https://www.facebook.com/media/set/?set=a.881464227475192&type=3

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